segunda-feira, julho 28, 2008

Novos tempos de mudança




Falo dos dias calados, quietos
Que se alongam em paisagens melancólicas
Acolhem o sol em visitas fugidias
Outonos já marcados
Sem que o estio seque o fluir das águas
Deixamos que a alma se distenda
Para lá do subtil fremir da inquietação
Esperamos árvores com salpicos de ouro
Ventos que murmuram ritmos da terra
Que já não cumprem a antiga tradição
Assim ficamos olhando o horizonte
Que não nos diz do azul de outras eras
Mas de estranhas cores pintadas de incerteza
São estes os novos tempos de mudança
Passagem pressentida na brisa que circula
Dentro da casa construída de esperas.

terça-feira, julho 22, 2008

Tu




Existes
aí no limite do meu sonho
onde os gritos do silêncio ecoam.

Miragem
concreta em momentos inventados
fuga de mim em dias de azul.


Absurda
a ideia de ti nas horas caladas
planta no meu peito a flor da solidão.


Aí no limite do meu sonho…



Janeiro 2005

quinta-feira, julho 17, 2008

No caminho do sol




Não me contrariem o sol. Não façam nada que lhe tape a luz. Deixem-no brilhar, aquecer, acariciar o corpo com mãos de amante. Não me gritem ventos de desgraça, prenúncios do fim, nem bem sabemos de quê (sabem-no os arautos do infortúnio?). Vou pensar nisso amanhã. Ou depois. Prometo. Hoje quero que seja o sol que me guia. Quero acreditar na luz dourada, seguir-lhe o rasto na areia quente de uma praia minha. Não existe? Eu invento-a. E nela revivo velhos rituais de adoração ao astro quente que nos dá vida. Por hoje. Deixem-me acreditar no sol, por um dia.

domingo, julho 13, 2008

saudades (II)




…de galos e cães ao desafio pela manhã. do branco das flores nas laranjeiras no quintal. do som da água quando ainda havia rio. da alma dos bêbados que se derramava no beco pelas noites quentes de verão.
das carteiras com tampo de levantar onde escondia os livros de quadradinhos. e o diário que viu as primeiras letras de mim. das meninas de um lado do muro olhando os rapazes do outro, na dificuldade que aguça os primeiros desejos.
do presépio grande feito na escola com musgo apanhado nas veredas. da peça de teatro em que o menino nascia enquanto os namoricos se soltavam. do frio que celebrava todos os natais da aldeia. do fogo da salamandra cortando o escuro da noite. embrulhando em sonhos as horas de silêncio.
da vida dependente de um olhar azul, primeiro amor escrito e chorado entre a escola e as viagens de comboio. dos risos escondidos nas aulas de francês. do olhar torturado do jovem professor que tentava dar aos números um sentido.
dos fatos de banho nas praias sem biquínis, a não ser das estrangeiras “escandalosas”. das ondas geladas onde entrava com um pai mais próximo por ser verão. das formas de fazer bolos de areia para um qualquer aniversário de bonecas.
dos pratos de bolos na mesa do café onde se olhava uma caixa mágica nas tardes longas dos domingos de província. da quinta ardendo pelo sol da tarde que punha o doce nas uvas acabadas de apanhar. nas amoras que caíam das árvores. nas ameixas verdes com nome de rainha.
saudades até da raiva incontida ao perder cedo o olhar de inocência sobre um país que julgava igual ao que me ensinavam na escola.

e…tanta coisa que agora lembro. saudades de um mundo que partiu. saudades de mim, outra que fui.



[O poema da maria de fátima no A cor do silêncio fez-me lembrar as minhas saudades. E ficou assim... ]

terça-feira, julho 08, 2008

palco



foto by Inês Duarte

invento-me. (re)invento-me. instalo-me em cada criação. como se fosse a definitiva. como se… canso-me. perco o sentido do rosto que criei. esvazio-lhe a alma. procuro outro palco. outra personagem que sou eu e não sou. não sei bem quem sou. saberás tu? ou apenas conheces a minha personagem para ti?

quinta-feira, julho 03, 2008

Palavra aberta




Não olhes. Vê.
Mesmo que os olhos
te ardam.
Não toques. Sente.
Mesmo que o corpo
te doa.
Não fales. Diz.
Mesmo que a alma
te sangre.
De ti quero a palavra
aberta tanscrição clara
dos sentidos.