domingo, janeiro 13, 2008

Notas no caderno de viver (I)




Voltou a chuva. Anotou o acontecimento no pequeno caderno. Aquele hábito de ligar os ritmos da natureza aos seus, pareceria talvez estranho. Mas ninguém, a não ser ela, lia o caderno. E também nunca lhe causara preocupação que a considerassem estranha. A chuva aninhava-a em si própria numa semi-apatia. Deixando que em si chovesse também. Sinal de renovação, diriam os antigos. Aqueles que iam desaparecendo da sua vida. Em nome deles, deixou que a chuva interior fizesse o seu trabalho. Tudo renasceria na natureza. Como sempre, naquele ciclo infinito que é o tempo. Também nela a vida seguiria o seu caminho, passando outra vez dos dias de sol àqueles em que parece chover no mundo inteiro. Enroscou-se um pouco mais, escutando a água que batia nos vidros. Dentro de si, acarinhou a semente da alegria.
No caderno, ficou só uma nota : “Hoje voltou a chover. Espero que as flores me nasçam nos olhos, lá para a Primavera. Segundo o calendário, já não falta muito.”

14 comentários:

Joana Roque Lino disse...

tão belo, o teu texto. fazes-me sentir que te conheço de outro lado qualquer... optimista, bela, sublime. um beijo, M.L..

... disse...

Há brilho por aqui!

(*)

mena maya disse...

Que maravilha, Maria Laura!

Porque devemos a nós próprias a alegria de viver, porque vale sempre a pena continuar, porque há tanta esperança nestas tuas palavras de uma beleza ímpar!

Um abraço

Berta Helena disse...

Maravilha! Fascinam-me os teus textos.

hfm disse...

No palimpsespto ficaram escritas todas as palavras que nem sequer se atrevem nesse caderno. Guardadas porque, sem o nosso consentimento, as fabricamos.

Texto que li, reli e guardei.

ruth ministro disse...

Fizeste-me ganhar o dia só de te ler. Obrigada.

Mil beijos

jorge esteves disse...

... é que é a Esperança que traz a Primavera!

com amizade, um (atrasado)
abraço

Ad astra disse...

adorei este texto Ml...

nasceram-me flores nos olhos

obrigada

Manuel Veiga disse...

reflexos de primavera no olhar.

... apesar da chuva!

Stella Nijinsky disse...

Oi Maria Laura,

O teu texto está lindíssimo, as tuas notas nas folhas dos dias.

Stella

oskar disse...

se eu fosse nuvem...gostaria que fosses chuva...tu es sensivel e estonteante a forma como escreves e mais um sinal de consciencia...beijo

M. disse...

Gostei muito.

tchi disse...

Que haja sempre flores no teu olhar.

Que a "Primavera" seja em ti todos os dias, até quando chove.

Beijinho.

Oliver Pickwick disse...

Muito bonito! Um texto escrito com tinta a base de águas sábias, seculares e em harmonia.
Cada dia mais intimista; cada vez mais se aperfeiço nos universos de Virginia Woolf, Clarice Lispecto, mas com um selo de identidade: by Maria Laura.
Beijos!