quinta-feira, novembro 29, 2007

O peso da câmara




Eu passo. Pois se o dia está de sol e no parque as sombras brincam num jogo de esconde, esconde… Se ainda é o tempo destes serem os passeios felizes, expectantes… Os passeios coloridos. Eu passo e quase não reparo. Não é o tempo da dor. Já capturei outros homens, outras dores. Mas não hoje. Não aqui. Este é (já alguém o disse) um lugar de afectos.
Algo me faz parar. O peso da câmara, talvez. É terrível. Só quem o sente mesmo, sabe até onde nos condiciona. A câmara é outro par de olhos que, muitas vezes, quer ver exactamente o contrário do que nós pensamos querer. Eu paro. E a dor fica. Captada com pudor, com tristeza. Fica em mim.

segunda-feira, novembro 26, 2007

No oceano inicial




Hei-de partir num veleiro
Em dia de luz nublada
Sem destino além do mar sonhado.
Sei que para lá do horizonte
Se escondem longas terras obscuras
Onde as águas têm cor desconhecida.
Tudo o que quero é navegar
Em azuis verdes de arco-íris
Do oceano inicial
Que um dia foi prometido
Pedaço de ser feliz onde desejo voltar.

sexta-feira, novembro 23, 2007

Água



Corre água, corre e lava o que a tempestade deixou. Eu sei: o céu ainda tem a cor que prenuncia dias de angústia. Mas não é a vida esta mescla de risos e lágrimas? Podemos renunciar a uma parte dela? Podemos vivê-la pela metade? Então corre água, que a lama tem que ser lavada. Para que o sol possa brilhar em dias limpos. E possamos olhar um horizonte que, talvez em breve, se torne negro outra vez. Quem conhece o futuro que faremos? Quem sabe daquele que não depende de nós? Então, vem água. Dou-te o corpo, o rosto, a alma. Escorre-me nas mãos. Lava tudo. Leva tudo o que for necessário. Mas põe sorrisos de sol nos rostos que iluminam o caminho que escolhi.

quarta-feira, novembro 21, 2007

Árido caminho




Dou passos ainda incertos
Num caminho de árvores despidas
De onde caiu o dourado do Outono.
Penso em escondidos segredos
Tranquilos degredos
Onde as sombras se encobrem.
Mas há no sol um teimar tão constante
Que nas mãos se esconde
E as leva a abrir a porta cerrada
De algum deserto inquietante.

domingo, novembro 18, 2007

Por cima das águas



É por cima das águas que canta o som líquido de um pássaro que um dia ouvi. Parece que o mar cala o seu ruído profundo para fazer pairar à minha volta esse canto. Por trás dos meus olhos fechados, passam os dias que já não quero recordar. Vejo o mundo antigo a preto e branco. Sépia, às vezes. Sei que existiam cores. Vivas cores. Talvez o pássaro se cale e deixe o mar falar. Em palavras de azul.

sexta-feira, novembro 16, 2007

Um dia...




Vai haver um dia amor
Em que vou morrer dentro do teu peito
Como um sonho longínquo
De que não te recordas.
Em mim baterão os sinos dessa morte
Que já espero.
Deixarei voar o pássaro da dúvida
Ficando só a cor negra
Serei eu e o pátio sombrio
Donde pouco a pouco a tua lembrança
Se desvanece.