sábado, outubro 04, 2008

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Fechei a luz
Abri no escuro a caixa de Pandora
Espalhei todos os males em meu redor
Recolhi-os em mim
Restou a secura que a alma reconhece
Como um vento de deserto
E a busca da água da esperança
Renascido oásis no limite do caminho


[Há ciclos que temos que fechar. Estes dois blogs terminam hoje. É altura de voltar a uma casa que, no fundo, nunca deixei. Quem me quiser encontrar, estou num blog aqui ao lado. Não é a Internet um mundo tão grande e tão pequeno, ao mesmo tempo? Espero ver-vos por lá. Obrigada pelo apoio e carinho que me deram, aqui.]

terça-feira, setembro 30, 2008

Matemática




Acordo na hora em que a dúvida me apresenta o problema como o único som, no silêncio sem retorno. Analiticamente revejo tudo. Calculo probabilidades com o enorme bias do que desejo. Sacudo a angústia oportunista que tenta entrar na equação, mordendo por dentro nos momentos certos. Deixo que o dia entre para me atolar na certeza de que errei os cálculos em qualquer passo. Talvez me falte alguma variável. Ou apenas um valor (in)constante que introduz um desvio nos resultados. Dia após dia, refaço cálculos sem chegar a uma solução. Sempre que desisto por cansaço, o valor de X foge por entre os espaços calados. Fica um riso trocista, único valor residual que consigo alcançar.


Imagem: cortesia do Google

sexta-feira, setembro 26, 2008

Passo a passo




Descobriu um dia que se tinha exilado entre muros rendilhados. Soprava sobre ela a delicadeza da brisa do exterior e tinha a falsa noção de que seria fácil derrubar as barreiras à sua volta. Por vezes tentava. A oscilação das paredes era real mas a resistência também. Mas quão delicados eram aqueles muros! Traziam-lhe a ilusão de que todo o prazer, todo o conforto podia existir dentro deles.
Todos se perguntavam porque ficara ali, até ao momento em que a erosão desfez os muros. Ainda nesse instante se deixou ficar sentada, os braços envolvendo os joelhos, como que protegendo algum tesouro ignorado. A luz lá fora era demasiado crua, feria-lhe os olhos e a pele. Com um pedaço do muro, já quase só pó, guardado na mão, caminhou devagar para fora. E andou no caminho à sua frente. Passo a passo.

segunda-feira, setembro 22, 2008

Sei-te




Fora de mim te sei
Alma que um dia julguei minha
Morada de calma cumplicidade
Em que outrora quis ser eu
Sem falsas máscaras ou disfarces sedutores
Sei-te no silêncio ou na palavra
No dia aberto ou na noite de horas brancas
No breve toque ou na distância
Sei-te na pele
Por lá mora o teu caminho
Que afastas em cada trilho de incerteza
Orlado de nevoeiros sonhadores

Por te saber tão fora de mim
Sendo que em mim ficou a tua essência
Te chamo calada, quieta nas palavras
Até que de ti próprio sintas a ausência.

quarta-feira, setembro 17, 2008

Nem o grito de uma ave




Nem o grito de uma ave
Que adivinha a partida para locais outros
E se despede dos campos de sal
Quebrará o silêncio das tardes inquietas
Ensolaradas horas que instantes não esgotam.
Todo o corpo desperto hesita na rota
Calado sufoco de qualquer sentimento.

Nem uma palavra no verso em que me oculto
Dirá do pulsar dentro do silêncio de uma lenda antiga
Sem princípio ou fim
Um sonho, uma brisa, talvez um momento.

domingo, setembro 14, 2008

Sopra o vento sobre o sapal




Sopra o vento sobre o sapal
Na noite tecida de fios de incerteza
Nele me reconheço
Me invento, me esvoaço
Qual ave perdida nos caminhos do sal
No vento sem rumo que me invade o sono
Plano expectante nas ondas do ar sem saber de praia
Onde vou cair
Ou planície de urze aonde pousar
Pairo só no vento por sobre o sapal
Desafio as aves ocultas na noite de prata
Para, num voo final, alcançar o mar.

quinta-feira, agosto 28, 2008

Largos espaços



Sonho com largos espaços libertos
E infinitos azuis de uma outra cor
Braços de mar à volta do meu corpo
Água ou bálsamo ou vida, amor

Longas paisagens de sol ardente
Desafio vermelho à luz do meu olhar
Labirintos que sigo pelo voo das aves
Traçados apenas para os decifrar

Abismos onde mergulho sem medo
Do sopro da angústia recolhidas garras
Longos caminhos no horizonte de mim
A emergir do sal livre de amarras



[Vou à procura de largos espaços. O resto das férias. Até meados de Setembro. Beijos e abraços.]

sábado, agosto 23, 2008

Insidiosa hera




Nas rotas do ocaso
Vergam-se caules ao vento que assobia
Rumor pressentido em dias quietos
Viragem do ar e som de naufrágio
Um quase estertor, uma agonia

Caminhos de sol poente
Onde a secura alastra pelas margens
Escoa-se a vida em dedos cor de terra
Com que afagamos o corpo dormente.

E o silêncio cresce no dorso da dúvida
Como qualquer insidiosa hera.

segunda-feira, agosto 18, 2008

Miragem




Existe a imagem reflectida
no fundo dos rios que correm
em todos os espelhos de água
onde me vejo perdida
de ti .

Procuro o reflexo azulado
da luz em ondas refractada
um líquido corpo de cristal
suave miragem amada
em mim.

Encontro no leito da água
na silenciosa hora do sol posto
resposta a meus olhos de mágoa,
o teu rosto.

sexta-feira, agosto 01, 2008

Refúgios



Construímos refúgios que pensamos seguros, abrigados, santuários em que nada nos pode magoar. Talvez apenas lugares de fuga de uma vida demasiado cheia de caminhos acidentados. A eles voltamos sempre que possível para, da doçura que aí paira, tirarmos forças novas. Funcionamos assim até que as paredes do refúgio começam a abrir brechas. E remendamos, remendamos até tudo parecer seguro novamente. Mas as brechas estão lá. Profundas. Um dia, reparamos nas paredes rugosas, nos ventos que entram e sentimo-nos desconfortáveis. Ainda assim, tentamos consertar o que é possível. Mas é tarde demais. O refúgio já não o é. Sabemos então que é hora de partir. Para os caminhos acidentados até que, nalgum recanto, seja possível encontrar, de novo, santuário.




[Para mim, não é hora de partir daqui, mas de fazer um intervalo. Uma parte das férias. Volto lá para meados do mês de Agosto. Boas férias a todos!]

segunda-feira, julho 28, 2008

Novos tempos de mudança




Falo dos dias calados, quietos
Que se alongam em paisagens melancólicas
Acolhem o sol em visitas fugidias
Outonos já marcados
Sem que o estio seque o fluir das águas
Deixamos que a alma se distenda
Para lá do subtil fremir da inquietação
Esperamos árvores com salpicos de ouro
Ventos que murmuram ritmos da terra
Que já não cumprem a antiga tradição
Assim ficamos olhando o horizonte
Que não nos diz do azul de outras eras
Mas de estranhas cores pintadas de incerteza
São estes os novos tempos de mudança
Passagem pressentida na brisa que circula
Dentro da casa construída de esperas.

terça-feira, julho 22, 2008

Tu




Existes
aí no limite do meu sonho
onde os gritos do silêncio ecoam.

Miragem
concreta em momentos inventados
fuga de mim em dias de azul.


Absurda
a ideia de ti nas horas caladas
planta no meu peito a flor da solidão.


Aí no limite do meu sonho…



Janeiro 2005

quinta-feira, julho 17, 2008

No caminho do sol




Não me contrariem o sol. Não façam nada que lhe tape a luz. Deixem-no brilhar, aquecer, acariciar o corpo com mãos de amante. Não me gritem ventos de desgraça, prenúncios do fim, nem bem sabemos de quê (sabem-no os arautos do infortúnio?). Vou pensar nisso amanhã. Ou depois. Prometo. Hoje quero que seja o sol que me guia. Quero acreditar na luz dourada, seguir-lhe o rasto na areia quente de uma praia minha. Não existe? Eu invento-a. E nela revivo velhos rituais de adoração ao astro quente que nos dá vida. Por hoje. Deixem-me acreditar no sol, por um dia.

domingo, julho 13, 2008

saudades (II)




…de galos e cães ao desafio pela manhã. do branco das flores nas laranjeiras no quintal. do som da água quando ainda havia rio. da alma dos bêbados que se derramava no beco pelas noites quentes de verão.
das carteiras com tampo de levantar onde escondia os livros de quadradinhos. e o diário que viu as primeiras letras de mim. das meninas de um lado do muro olhando os rapazes do outro, na dificuldade que aguça os primeiros desejos.
do presépio grande feito na escola com musgo apanhado nas veredas. da peça de teatro em que o menino nascia enquanto os namoricos se soltavam. do frio que celebrava todos os natais da aldeia. do fogo da salamandra cortando o escuro da noite. embrulhando em sonhos as horas de silêncio.
da vida dependente de um olhar azul, primeiro amor escrito e chorado entre a escola e as viagens de comboio. dos risos escondidos nas aulas de francês. do olhar torturado do jovem professor que tentava dar aos números um sentido.
dos fatos de banho nas praias sem biquínis, a não ser das estrangeiras “escandalosas”. das ondas geladas onde entrava com um pai mais próximo por ser verão. das formas de fazer bolos de areia para um qualquer aniversário de bonecas.
dos pratos de bolos na mesa do café onde se olhava uma caixa mágica nas tardes longas dos domingos de província. da quinta ardendo pelo sol da tarde que punha o doce nas uvas acabadas de apanhar. nas amoras que caíam das árvores. nas ameixas verdes com nome de rainha.
saudades até da raiva incontida ao perder cedo o olhar de inocência sobre um país que julgava igual ao que me ensinavam na escola.

e…tanta coisa que agora lembro. saudades de um mundo que partiu. saudades de mim, outra que fui.



[O poema da maria de fátima no A cor do silêncio fez-me lembrar as minhas saudades. E ficou assim... ]

terça-feira, julho 08, 2008

palco



foto by Inês Duarte

invento-me. (re)invento-me. instalo-me em cada criação. como se fosse a definitiva. como se… canso-me. perco o sentido do rosto que criei. esvazio-lhe a alma. procuro outro palco. outra personagem que sou eu e não sou. não sei bem quem sou. saberás tu? ou apenas conheces a minha personagem para ti?

quinta-feira, julho 03, 2008

Palavra aberta




Não olhes. Vê.
Mesmo que os olhos
te ardam.
Não toques. Sente.
Mesmo que o corpo
te doa.
Não fales. Diz.
Mesmo que a alma
te sangre.
De ti quero a palavra
aberta tanscrição clara
dos sentidos.

sábado, junho 28, 2008

A cor do girassol







Fosse a vida só o que se explica
Girasse o mundo na órbita certa
Simples na frieza dos números
A cor do girassol seria só amarela
Por convenção de linguagem
Não a cor do astro que persegue
Pedaço de luz caído na terra
Leve indício duma senda de ilusão

segunda-feira, junho 23, 2008

Nestes dias




Não canto as aves verdes da manhã. Ou o sol cor de paixão pela terra. E nem o mar de que não conheço a cor, por tantas saber. Há, nestes dias, um espelho baço nos meus olhos. Nele se tolda a infinita beleza que adivinho.

quinta-feira, junho 19, 2008

Na planície dourada





O sol era um braseiro na manhã adiantada. Visto o castelo, feitas as deambulações pelas vielas de brancas paredes, o jardim chamava com promessas de sombra e descanso. Entrei, passo lesto em direcção ao muro que dava direito a uma ampla vista. A máquina pronta a disparar, pois claro. Paisagem a perder-se no horizonte longínquo convenientemente registada “para mais tarde recordar…”. E depois olhei o jardim com olhos de ver. Bonito, maneirinho. Um café, um coreto, alguns bancos à sombra e um estranho aparelho no meio, como estátua ou ornamento. Sem saber bem o que era, fotografei de vários ângulos, como convém. Sobretudo quando não se sabe bem o que é…

“Minha senhora, sabe, isso era a aguadeira daqui.”

Um dos homens sentados nos bancos tinha-se levantado e fez-se voz de recordações de tempos de meninice ou talvez até um pouco mais tarde na vida.

“Sabe a senhora que, quando não havia água canalizada, andavam com isto puxado a bois e davam água ao povo. O condutor sentava-se naquela cadeirinha, está a ver?”

Estava a ver. Daí a “aguadeira”. Percebi e agradeci-lhe ter ficado a perceber o que era “aquilo”.

“Ah, não imagina o que a rapaziada gostava quando isto andava nas ruas. É que às vezes, para sacudir os moços que se penduravam, o condutor deitava água lá por trás da maquineta. E não é que era isso mesmo que a rapaziada queria?”

E o riso do homem fez-se claro como naqueles tempos. Depois, com que envergonhado, foi dizendo:

“A senhora desculpe. Está a gostar do jardim? E aquela vista? Vi que tirou fotografias.”

Acho que o meu olhar lhe disse o quanto tinha gostado do jardim, da terra, daquela humanidade transbordante e franca. Com um sorriso meio triste rematou:

“Sabe, temos que nos entreter com qualquer coisa. Já viu, tantos velhos…”

Tinha visto, sim. Naquelas terras da planície dourada, a vida parece parar nos seus olhos. Observam o passar do tempo. Repositórios vivos duma sabedoria que com eles se perderá.

sexta-feira, junho 13, 2008

Alentejo




Nem um sonho se avista
No sopro da planície
Só a esperança da árvore
Tão verde que dói
Neste solo que abrasa
Neste ar que entontece
E o riso vermelho
Na beira da estrada
Da papoila que espera
E esmorece.

sexta-feira, maio 30, 2008

Existem os cavalos...




É certo que existem os cavalos
tranquilos no pasto
como se toda a liberdade fosse sua.
Serão as cercas apenas fios leves
teias, carícias sobre a pele nua?
Será que imaginam felicidade
no suave vegetar das suas vidas?
Não intentam fuga ou protesto
nem se agitam em vãs tentativas,
são a simples imagem da beleza
sopro do vento na margem esquecida.
Existem dentro da minha certeza,
feitos para o voo
presos na armadilha da vida.


Janeiro 2007


[Peço desculpa pela minha falta de assiduidade nos vossos blogs. Voltarei lá para o fim da próxima semana. Lá, do outro lado, há Alegria!]

domingo, maio 25, 2008

Chuva



Sinto o cheiro da chuva nas manhãs
Ainda mal o sol se anuncia
Leio os avisos de Outono adiantado
Deixados na soleira da porta
Um murmúrio de água
Teima que é tempo de renascer
Mas os braços alongam-se no vazio
Desta chuva que molha sem lavar
Escorre nos dedos o desejo de viver

segunda-feira, maio 19, 2008

No verso da folha



Quero escrever
no verso da folha
palavra incorrecta
de sentir errado.
Virar-me do avesso
e dizer de mim
o que está calado.
Porque, de ser certa,
a frase escondida
breve se revela,
perdido o encanto
que nela habita.
E o verso falado
deixa por não dita
aquela palavra,
a tal incorrecta,
o olhar perverso
que apenas espreita
no poema escrito
na folha perfeita,
na beira do verso.


Março 2006

quinta-feira, maio 15, 2008

Desafios ou a vida em 6 palavras

A Mateso e a CNS fizeram-me um desafio que tem as seguintes regras:

São-nos pedidas seis palavras para uma “muito curta” biografia (há quem opte por um conceito) e podemos dar-lhes ênfase com uma imagem. Devemos colocar um link para quem nos desafiou e por nossa vez desafiar seis blogues, avisando-os deste mesmo convite “à valsa”. Além disso, deveremos partilhar 6 coisas que nos pareçam importantes e 6 outras de que não gostemos.

Parece simples? Eu não achei, porque isto de resumir-nos em seis palavras é extremamente complicado. Encontrei ajuda em Fernando Pessoa que, entre muitas, tem uma frase que abraço por inteiro:







"O homem é do tamanho do seu sonho."

Mais ou menos seis palavras e está (quase) tudo dito. Agora, o que é importante e o que não gosto.

É importante:

- a tolerância
- a solidariedade
- a liberdade
- a visão para lá do olhar
- a alegria
- o amor

Não gosto:

- de hipocrisia
- de arrogância
- de tirania
- de tacanhez
- de maniqueísmo
- de quem "possui" a verdade

Cumpri as regras todas, menos a de passar o desafio. Passo a todos os que ainda não tiverem dançado esta "valsa". Ora vamos lá...

domingo, maio 11, 2008

Cristal frio




As madrugadas estão prenhes
De implacável lucidez
No seu ventre adejam pássaros
De agoiro
Sem rótulo de bom ou mau
Só certezas de coisas por vir
Até ao dia em que se abatem
Na poeira que contemplo
Essa será a hora da limpidez
Do cristal frio de que me escondo
Com medo que me cegue

Preparo-me devagar
Para enfrentar o espelho
De alma sem maquilhagem

quarta-feira, maio 07, 2008

Sem ti




Sem ti
recolho-me à tela dos dias
pintados de frescura azul
mergulho na pele de mim
tecido vivo em que te cosi
te prendi.
Encontro um grito velado
escondido entre a carne
e a superfície
que enche a brandura da tarde
do cio das horas antigas
por viver.


Julho 2006

sexta-feira, maio 02, 2008

Em redor do lago Léman




As viagens têm destes paradoxos. Há países e povos pelos quais nos apaixonamos, sem nenhuma razão evidente. Existem outros pelos quais, apesar da beleza e de aparentemente terem tudo para nos encantar, não conseguimos sentir nenhuma empatia em especial. Entre lagos e montanhas, a Suíça (particularmente a Suíça romande, onde estive) parece ter tudo para cativar quem lá vai. Verdadeiramente, as terras por onde andei têm a beleza que não nega todos os bilhetes postais a que estamos habituados, mas não consegui chegar a entender aquele povo nem a sentir-lhe a “pulsação” da vida. Um estranho povo “neutro” que defende o seu não-alinhamento no meio da Europa com unhas e dentes. Uma estranha nação, que comporta num território tão pequeno, gentes de influências tão diferentes em cantões tão autónomos (sem contarmos com os imigrantes que são tantos…). Um país para ricos, onde na verdade o dinheiro e os negócios (que a neutralidade facilita) são a mola real e o custo de vida é proibitivo. Enfim, talvez eu esteja apenas a dar largas aos meus preconceitos. Talvez nunca tenha gostado da palavra “neutro”… Quem sabe? Por agora, limito-me a recordar a razão que lá me levou e a beleza daquelas paisagens que saltaram do meu imaginário para a realidade e daí para a câmara, para passarem a ser as “minhas” paisagens da Suíça.

quarta-feira, abril 23, 2008

Cravo abandonado



Toda a flor caída só se ergue por vontade dos homens.

25 de Abril de 2008


[Esta é uma das fotos de uma série com este tema. Quem estiver interessado, pode ver o slideshow aqui. Volto em Maio. Um beijo para todos e cada um.]

domingo, abril 20, 2008

Vento



O vento não leva consigo o silêncio
Só amplia o grito que nele existe
No verde inquieto da copa das árvores

quarta-feira, abril 16, 2008

palavras sem sentido




não encontro nas palavras o caminho. perco-me nelas e volto atrás, a todas as encruzilhadas em que já estive. ou serão outras? não encontro nas palavras o sentido. aquele que deveriam ter. escapam-me nos seus múltiplos significados. e acabam vazias. não encontro nas palavras o conforto. carregam sentimentos de frustração. incomodam, ferem, numa senda inquietante. sem as poder renegar, só encontro nas palavras o espelho da minha carência. do que me negam. do que, negando, me dão.

sexta-feira, abril 11, 2008

Como se...




Um dia farei um hino à vida
Cantarão versos dentro das palavras
Nenhuma dor ecoará no espaço
Do poema.
Um dia direi que sou feliz
Sem reservas no som das entrelinhas
A cor no horizonte será o eterno
Azul.
Um dia o mundo acordará às avessas
Todos os poetas falarão de alegria
Como se essa fosse a verdade
Das coisas.

Junho 2007


[ Perdoem se a falta de tempo e a pouca inspiração não permitem que aqui publique textos actuais. Melhores dias virão, é o que podemos esperar. ]

segunda-feira, abril 07, 2008

O bater do coração




Corre o tempo
e tudo muda
o vento que traz a dor
e o riso que alimenta
o bater do coração.
Passa a vida
e na esquina
após cada mutação
existe um outro local
tão diverso e tão igual
onde o ciclo recomeça.
Mas a venda da ilusão
muda as cores
muda a emoção,
sendo que tudo é tal qual.
E o tempo que não pára
vai mudando sem mudar.
Riso e dor trazem consigo
o mesmo bater trocado
no ritmo do coração
e aquele vento antigo
que nos coloca na esquina
duma nova mutação.

Outubro 2006

quinta-feira, abril 03, 2008

Malmequer no escuro




Mal me quer, bem me quer…

Na escuridão quem vai saber?

Pétala sim, pétala não…

Desfolho-as na minha mão

E dê a sorte o que der

Só vou ficar intrigada

Será muito, pouco ou nada?


Agosto 2006


[ Não se assustem. O blog é o mesmo. Cansei-me do negro...]

domingo, março 30, 2008

Perguntas cativas




Hoje não passo pelo teu caminho
Nem noutra hora que possa prever.
Será o querer, o acaso ou o destino
Que apartam passos que julgámos certos
Nalgum dia antigo já longe no tempo
Memória perdida que em nós se afunda?
Ou leva-nos o fluir tranquilo do rio
Onde somos folhas boiando à deriva?

Perguntas seladas que queimam os lábios
Como flores de fogo recém desfolhadas.
Perguntas cativas do silêncio implícito
Palavras proibidas.

segunda-feira, março 24, 2008

Patos no quintal




Os patos viviam por ali, no rio que passava ao lado do quintal da velha casa. Um rio em que a água escasseava, a não ser quando chovia muito e de repente. As gentes da terra, sobretudo aquelas que tinham as casas ao pé do rio, já sabiam o que esperar, nessas alturas. Mas isso eram histórias antigas, algumas trágicas. Agora estávamos a falar dos patos. A mulher, que tinha a vida enraizada naquela casa, voltava lá, de vez em quando. E nunca tinha reparado naqueles dois patos. Talvez novos, na população de patos do rio que parecia crescer dia a dia. O certo é que voavam para o quintal e aí passavam as manhãs. Nem o ladrar dos cães da casa ao lado os assustava. Esgravatavam o chão seco e dormiam à sombra das árvores. Quando lhes apetecia, levantavam voo e iam poisar na água, junto aos outros que lá estavam. A mulher, dada a histórias e sonhos, achou que aqueles patos eram especiais. Quem sabe, amantes transformados em patos por alguma fada maléfica. Mas, naquela vida, tinham encontrado um reino só deles, o quintal das laranjeiras. Nenhum outro pato os seguia. Só eles por ali andavam, como se soubessem algo mais, como se guardassem um segredo. Antes de se ir embora, a mulher procurou-os e baixinho, não fossem os outros pensar que era louca, disse-lhes que lhes deixava o reino, como se fosse necessário dar-lhes algo de que eles já eram donos.

quarta-feira, março 19, 2008

Reflexões (II)




Páscoa. Passagem da morte para a vida, pelo sacrifício. Renascer. Ressurreição para os cristãos. "Pessach" judaica, passagem da escravidão para a libertação. Através, também, de um sacrifício, o dos primogénitos do Egipto. Renascimento da natureza, após o sacrifício necessário da sua morte invernal. Assim era nos tempos antigos. Assim é hoje, quando, sem saber, repetimos os rituais. Os fofos coelhinhos e os saborosos ovos. Símbolos de fertilidade. Renascer, sempre. Refazer o ciclo. Recomeçar.


[Desejo a quem passa uma Boa Páscoa! Ou apenas a capacidade de renascer em cada dia.]

sexta-feira, março 14, 2008

Não mais




Não serei eu
Quem te dirá as palavras finais
As que pairam entre nós
Gumes afiados sobre a pele
Nem saberás de mim
Mais do que consegues entrever
No tempo raro em que me olhas
Com saciada limpidez
Talvez aí esteja toda a verdade
Que nos é dado perceber
Não mais que uma parte do todo
Que somos
Não mais

terça-feira, março 11, 2008

Reflexões (I)




Já vos aconteceu começar a escrever sem fazer a mínima ideia do que vão pôr no papel mas tendo uma frase, uma só frase que por todo o lado murmura, fala, grita? Não é o terror da folha em branco, não estou minimamente aterrorizada porque sei que seja o que for que escreva terá que, de alguma forma, ir encontrar esta frase que hoje me obceca :"Uma nesga de céu”. Não o céu todo, nem sequer o azul sem nuvens. Só um pequeno, ínfimo pedaço daquela imensidão. Não será aquilo a que todos temos direito? As vidas cinzentas do dia a dia, a monotonia que nos faz repetir os mesmos gestos às mesmas horas tapam-nos a nossa “nesga de céu”. Levantar às mesmas horas, maquinalmente cumprir a rotina diária, comer às mesmas horas, nos mesmos sítios, com as mesmas pessoas… Onde está a cor da vida? E, sobretudo, onde está o azul? Claro, escapamos de quando em vez, ou porque nos encontramos face a face com a beleza sob qualquer forma ou porque nos defrontamos com sentimentos que nos transcendem e algo acende em nós a luz que revela a paleta multicolor. Entrevemos então a nossa “nesga de céu”. Rara, preciosa. Dificilmente duradoura. Se o for, não lhe damos a importância devida. Distinguir nela o azul da harmonia e guardá-lo em nós nalgum canto escondido é a tarefa que perseguimos, por vezes uma vida inteira. As palavras trouxeram-me até aqui. Umas atrás das outras, sem nenhum caminho traçado à partida. E tal como comecei, sem destino certo, tenho que acabar. Porque nisto de entrever a “nesga de céu”, não há receitas, nem mezinhas. Muito menos sermões ou grandes dissertações. Ela está por aí. Procurem-na, que eu também o faço. Por vezes encontro-a, por vezes perco-a.

sábado, março 08, 2008

Dizer de ser mulher



Mão que se dá
Utero matriz de vida
Liberdade que se entrega
Hera que enleia sentimentos
Esperança luz de horas cinzentas
Raiz profunda de todas as coisas



Hoje, quero dizer de ser mulher. Mulher, feminino singular.(...)
Mulher por si. Mulher em género e corpo.



[Por ser hoje um dia que, se calhar, não devia existir. Ainda assim, um beijo especial para todas as mulheres.]

segunda-feira, março 03, 2008

Múltipla



Múltiplas cores
Duma paleta arbitrária
Múltiplos sons
Procurando a sinfonia
Partes de um todo espalhado
Nos recantos de viver
Múltipla
Sem chegar à unidade
Manta de gastos retalhos
Remendados dia a dia
Múltipla
Diversa mas tão igual
Na procura inquieta
Da luz que ilumina o voo
Da água do sol do sal
[da vida]

quarta-feira, fevereiro 27, 2008

O sonho



O sonho
A nuvem bailando no céu
A ave que grita o silêncio do dia
A folha da árvore que renasce no vento
No cristal de qualquer hora
Tu e eu.

domingo, fevereiro 24, 2008

Em sentido único



…e existiam as encruzilhadas. confluência de caminhos. entre eles, o que tinha que fazer seu. porque a vida não tem caminhos certos, mas faz-se em sentido único.

quinta-feira, fevereiro 21, 2008

Como água






Como água que corre para o mar. Solta num leito de pedras. Ora se alonga na vista de alguma paisagem, ora corre como se fosse urgente aquele diluir-se no azul infinito onde se encontram todas as águas. Sem parar, apesar das asperezas do solo que lhe serve de passagem. Como água. Líquido corpo de bruma desfeita pelo olhar do sol. E pela ternura que lhe dá o sonho de ser parte de um todo. Contornando obstáculos, alternando o olhar de melancolia com o de alegre frescura. Com a força da liberdade. Como água. Assim queria ser.


[Para responder ao carteiro, num desafio que consiste em escrever um texto que inclua doze palavras que representem algo para quem responde. Perdoem que não passe este desafio a ninguém em especial. Desafio todos os que o quiserem a pegar neste exercício, se ainda não o fizeram . Garanto que é interessante.]

domingo, fevereiro 17, 2008

Canto




Ouvi um pássaro na tarde cinzenta
Chamamento oblíquo
De dias de luz
Procurei na árvore
Bem perto
Bem longe
Tocar aquela subtil melodia
Como se fosse de madrugada
Horas em que a magia anda solta
Procurei no campo no rio no mar
Súbito cansaço trouxe-me o som
Onde sempre esteve
Sem que o entendesse
Dentro de mim, corpo alma desperta
Cantava a vida como ave liberta.

quarta-feira, fevereiro 13, 2008

As palavras do dia



Às vezes acreditava no que escrevia. Outras, as palavras não faziam sentido. Rodeavam-na numa estranha dança. Ora formavam um puzzle completo, ora fugiam, trocistas, deixando buracos abertos naquela malha de ideias que lhe ocupava a mente. As palavras… Tinha com elas uma relação de amor. Ou de raiva. Não podia respirar sem as transmitir nem que fosse a um ecrã em branco, ou a uma qualquer folha de papel achada por acaso. Mas sabia a frustração de não conseguir reter em palavra escrita aquilo que os sentidos captavam. Arrumava na memória cores e sons para um dos dias libertadores de palavras. Aqueles em que conseguia fazer uma harmonia das letras que, por vezes, lhe pareciam espantadas, brancas, sem sentido. Esses eram os momentos em que as soltava para si e para quem quisesse partilhá-las. As palavras do dia.

sábado, fevereiro 09, 2008

Mil anos passados...




Disseste
Mil anos passados e aqui estamos
O aroma e a luz, os mesmos, exactos
Os olhos que se penetram
E a voz de murmúrio para dizer
Coisas guardadas no fundo de nós
Ou a gargalhada que se liberta
Num só momento único cúmplice
Mil anos passados
Lembrei-te eu
Somos os mesmos que ontem se foram
Aqui, no sítio de sempre
Que, de encanto, tem o que lhe damos
Mil anos passados
O tempo não é corcel que nos transporta
Em louca correria
Mas breve passagem não percebida
Como se fosse ontem.

Esquecemos a história daqueles tempos
Que não o foram dentro de nós
Iguais
E mil anos passados…

quarta-feira, fevereiro 06, 2008

Um sussurro




Traz o ar um prenúncio
Talvez apenas um sussurro
Pressentido
Pronunciado
Traz o vento a incerteza
Do que devia estar perto
Aberto
Traz a brisa um sopro de secura
Tão pura
Que as ondas que me atingem o peito
Têm em si a cor da liberdade
E encontram na lembrança que não esgota
A brancura do sal
Líquido sabor que as molha gota a gota.

terça-feira, janeiro 29, 2008

No céu de cada dia...




No céu de cada dia
As nuvens dão-me o inaudível som
Da melodia que se dilui
Na necessária rotina de viver

Assim será
No tempo futuro que antevejo
Nem sempre soa a nota inesperada
Que nos faz atingir o horizonte.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Não voa




a ave não voa. agora não. presa ao chão por raízes de desencanto. o voo era só um sonho inútil. deixa-se baloiçar com o vento e sente lembranças da embriaguez do espaço. tenta construir os seus dias no ninho suave que sempre a acolheu. pouco a pouco caem as asas. guarda consigo algumas penas num pequeno canto forrado de ternura.

domingo, janeiro 20, 2008

Notas no caderno de viver (II)



…e naqueles dias em que o sol parecia iluminar recantos que nem ela sabia que existiam? Passeava a doçura que sentia no corpo pelas ruas da ternura. Sabia que o sol não era eterno, provavelmente nem duradouro. Sabia há muito que pedimos impossíveis, precisamente porque são impossíveis. O realizável reside em nós e começa na decisão do que queremos. Para ela, naqueles dias, era apenas aquele sol que lhe fazia pulsar o sangue no corpo, acelerado. No caderno escreveu só: “Hoje o sol brilhou. Por todo o meu corpo.”

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Golpe



Pus um pé
Na margem afiada da vida
E olhei o fio vermelho que escorria
Como se não fosse meu
Há golpes que a razão estanca
E qualquer brisa sem rumo reabre.