…de galos e cães ao desafio pela manhã. do branco das flores nas laranjeiras no quintal. do som da água quando ainda havia rio. da alma dos bêbados que se derramava no beco pelas noites quentes de verão.
das carteiras com tampo de levantar onde escondia os livros de quadradinhos. e o diário que viu as primeiras letras de mim. das meninas de um lado do muro olhando os rapazes do outro, na dificuldade que aguça os primeiros desejos.
do presépio grande feito na escola com musgo apanhado nas veredas. da peça de teatro em que o menino nascia enquanto os namoricos se soltavam. do frio que celebrava todos os natais da aldeia. do fogo da salamandra cortando o escuro da noite. embrulhando em sonhos as horas de silêncio.
da vida dependente de um olhar azul, primeiro amor escrito e chorado entre a escola e as viagens de comboio. dos risos escondidos nas aulas de francês. do olhar torturado do jovem professor que tentava dar aos números um sentido.
dos fatos de banho nas praias sem biquínis, a não ser das estrangeiras “escandalosas”. das ondas geladas onde entrava com um pai mais próximo por ser verão. das formas de fazer bolos de areia para um qualquer aniversário de bonecas.
dos pratos de bolos na mesa do café onde se olhava uma caixa mágica nas tardes longas dos domingos de província. da quinta ardendo pelo sol da tarde que punha o doce nas uvas acabadas de apanhar. nas amoras que caíam das árvores. nas ameixas verdes com nome de rainha.
saudades até da raiva incontida ao perder cedo o olhar de inocência sobre um país que julgava igual ao que me ensinavam na escola.
e…tanta coisa que agora lembro. saudades de um mundo que partiu. saudades de mim, outra que fui.
[O poema da maria de fátima no
A cor do silêncio fez-me lembrar as minhas saudades. E ficou assim... ]