terça-feira, janeiro 29, 2008

No céu de cada dia...




No céu de cada dia
As nuvens dão-me o inaudível som
Da melodia que se dilui
Na necessária rotina de viver

Assim será
No tempo futuro que antevejo
Nem sempre soa a nota inesperada
Que nos faz atingir o horizonte.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

Não voa




a ave não voa. agora não. presa ao chão por raízes de desencanto. o voo era só um sonho inútil. deixa-se baloiçar com o vento e sente lembranças da embriaguez do espaço. tenta construir os seus dias no ninho suave que sempre a acolheu. pouco a pouco caem as asas. guarda consigo algumas penas num pequeno canto forrado de ternura.

domingo, janeiro 20, 2008

Notas no caderno de viver (II)



…e naqueles dias em que o sol parecia iluminar recantos que nem ela sabia que existiam? Passeava a doçura que sentia no corpo pelas ruas da ternura. Sabia que o sol não era eterno, provavelmente nem duradouro. Sabia há muito que pedimos impossíveis, precisamente porque são impossíveis. O realizável reside em nós e começa na decisão do que queremos. Para ela, naqueles dias, era apenas aquele sol que lhe fazia pulsar o sangue no corpo, acelerado. No caderno escreveu só: “Hoje o sol brilhou. Por todo o meu corpo.”

quarta-feira, janeiro 16, 2008

Golpe



Pus um pé
Na margem afiada da vida
E olhei o fio vermelho que escorria
Como se não fosse meu
Há golpes que a razão estanca
E qualquer brisa sem rumo reabre.

domingo, janeiro 13, 2008

Notas no caderno de viver (I)




Voltou a chuva. Anotou o acontecimento no pequeno caderno. Aquele hábito de ligar os ritmos da natureza aos seus, pareceria talvez estranho. Mas ninguém, a não ser ela, lia o caderno. E também nunca lhe causara preocupação que a considerassem estranha. A chuva aninhava-a em si própria numa semi-apatia. Deixando que em si chovesse também. Sinal de renovação, diriam os antigos. Aqueles que iam desaparecendo da sua vida. Em nome deles, deixou que a chuva interior fizesse o seu trabalho. Tudo renasceria na natureza. Como sempre, naquele ciclo infinito que é o tempo. Também nela a vida seguiria o seu caminho, passando outra vez dos dias de sol àqueles em que parece chover no mundo inteiro. Enroscou-se um pouco mais, escutando a água que batia nos vidros. Dentro de si, acarinhou a semente da alegria.
No caderno, ficou só uma nota : “Hoje voltou a chover. Espero que as flores me nasçam nos olhos, lá para a Primavera. Segundo o calendário, já não falta muito.”

quarta-feira, janeiro 09, 2008

as palavras presas




...a pressa de partir. sem rumo. os rumos traçados acabam por tropeçar numa pedra da estrada certinha. e não quero ouvir mais essa palavra. certo. certinho. caminho pelo (re)verso. aí residem as palavras presas que hei-de libertar. agora. porque não podem esperar muito mais. o tempo é a prisão mais estreita. estraga. dilacera. até as palavras presas. sim. um dia libertas, já não são as mesmas. o que não foi dito, já não se dirá. por isso há que partir enquanto é tempo. enquanto as palavras ainda vivem. há que encontrar a folha errada onde as prenderam. está por aí nos caminhos sem rumo. (in)versos.

domingo, janeiro 06, 2008

A meio caminho da madrugada....




É noite
Noite mesmo
A meio caminho da madrugada
Nem sempre o cansaço
Fecha os olhos da inquietação
Foge o pensamento
Atento ao som do ladrar de um cão
Sozinho lá fora
Talvez
Ou apenas seguindo pelas sombras da rua
Os passos de outro igual
Vagamente adivinho outros sons
O carro que passa
Ou chega
Quem sobe a escada àquela hora?
Não me pergunto o porquê
Da vida das gentes que assim se revelam
No escuro da noite
Que teima em não amanhecer
Sinto o sonho que foge nos trilhos escuros
Sabendo o exacto caminho a percorrer
Não o posso seguir
Estou presa a mim mesma na noite infinita

Noite mesmo
A meio caminho da madrugada.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

como crianças...




vivíamos como se fossemos imortais. talvez. algo de nós, pelo menos, seria imortal. pensávamos assim, como crianças que não acreditam que o que amam pode morrer. para sempre, pensam. as crianças também perdem a inocência e a realidade impõe-se-lhes. um dia. um dia qualquer daqueles em que ainda pensam que… pensam, pois. como nós pensávamos. continuamos a pensar tanta coisa… mas o que pode comparar-se a ser imortal? a ser para sempre, como seres que escapam às leis dos homens. ou dos deuses? bah… que se lixem os deuses. não me dizem mais do que o que sei. que é limitado, concerteza. os deuses mandam-me conformar à finitude. a não aspirar nada para sempre. mas eu sei. para sempre é só enquanto um pedaço de nós ainda se assemelhar às crianças. enquanto acreditarmos que o que amamos não morre.